Um destino que ficou por cumprir
Quando por volta de 1968 o treinador do incomparável Valery Borzov sugeriu que Oleg Vladimirovich deveria dedicar a sua carreira desportiva ao atletismo, poucos imaginavam que estava ali a forjar-se um dos um mais brilhantes atores da história do futebol soviético. Aos 16 anos, quando ainda dividia o seu tempo no desporto entre o atletismo e o futebol, Oleg Vladimirovich correu os 100 metros em 11 segundos. Naquela época, esse registo podia bem ter-lhe valido um papel de destaque no atletismo mundial, mas o jovem Oleg tinha outras ideias e, pouco tempo depois, já era figura de proa de um Dynamo orientado pelo mestre Viktor Maslov. A rapidez e facilidade com que o jovem Oleg Vladimirovich iludia e passava pelos adversários em campo valeu-lhe o pouco convencional apelido de “corrente de ar”, título que lhe foi carinhosamente atribuído pelo sapiente Maslov. O Dynamo preparava internamente aquele que viria a ser um assalto sem precedentes de uma formação enterrada atrás de uma cortina de ferro ao futebol da Europa das democracias ocidentais e o jovem Oleg Vladimirovich acabaria por ser o porta-estandarte dessa máquina ainda em construção. Sob a batuta de um tal Valery Lobanovsky, esse Dynamo, que já dominava o futebol dentro de portas, superou os “camaradas” húngaros do Ferencvárosi TC em maio de 1975, levando para a sua vitrine um belo troféu que dava pelo nome de Taça dos Vencedores das Taças. Oleg Vladimirovich, com apenas 23 anos, anotou o terceiro golo da sua equipa nessa final e, meses depois, voltaria a espantar o velho continente, ao apontar os três golos, no conjunto das duas mãos, com que o Dynamo bateu um dos gigantes futebolísticos da Europa “livre”, que dava pelo nome de Bayern München na final da Supertaça Europeia. O jovem Oleg era, na medida do possível, um “herói” numa sociedade que carecia deles para os oferecer às massas como um exemplo a seguir e o seu ego ficou ainda maior quando nesse mesmo ano de 1975 foi agraciado com a Bola de Ouro por uma famosa publicação de um rival do mundo ocidental. Na votação, Oleg Vladimirovich ficou à frente de um tal Franz Beckenbauer e de um não menos conhecido Johan Cruyff, arrebatando uns sensacionais 122 votos, marca apenas batida uma década mais tarde por um soberbo futebolista que haveria de se tornar presidente do organismo que ainda comanda o futebol europeu.
Oleg Vladimirovich continuou a colecionar títulos e durante a década de 1970 havia de vencer a Liga Soviética por quatro vezes e a Taça do país em duas ocasiões. Essa mesma década teve contornos acinzentados para a seleção principal da URSS e nem a mestria de um dos seus melhores executantes ajudou o seu país a carimbar presença nos campeonatos mundiais de futebol de 1974 e 1978. Com a sua dedicação ao Dynamo a tentar ser beliscada pelos interesses capitalistas da velha Europa, o já não tão jovem Oleg apareceu na maior montra do futebol mundial em 1982 em Espanha, marcando em La Rosaleda aquele que seria o seu primeiro golo num campeonato do mundo. Oleg Vladimirovich espalhou o seu talento nos cinco encontros realizados pelos soviéticos e fez questão de bafejar os adversários com um pouco daquela tal “corrente de ar” que causava em quem o ousava marcar nos seus tempos de juventude.
Tal como o seu Dynamo, Oleg Vladimirovich abrandou um pouco o seu ritmo de colecionar troféus no início dos anos 80. Na década anterior, o ainda jovem Oleg alimentou o seu já enorme ego com várias conquistas: foi melhor marcador da Liga Soviética por cinco vezes, recebeu dois prémios de mérito desportivo das autoridades da URSS, foi considerado o melhor jogador do país em duas ocasiões e o segundo melhor noutras duas. Oleg, contudo, queria mais e em 1986, já com 33 anos, ajudou o seu Dynamo a vencer pela segunda vez na sua história a famosa Taça dos Vencedores das Taças, trucidando, desta vez, na final, um poderoso Atlético de Madrid liderado pelo incontornável Luís Aragonés. O “velho” Oleg, titular indiscutível de um Dynamo composto por jogadores consideravelmente mais novos, apontou o segundo dos três golos com os quais a formação soviética despachou os espanhóis e escreveu mais uma vez o seu nome na história do futebol do velho continente. As aventuras de Oleg Vladimirovich em 1986 não terminariam, no entanto, por aqui, uma vez que integrou o combinado soviético que garantiu, aos soluços, um lugar no Mundial de Futebol do México. A poucos meses de completar 34 anos, o “velho” Oleg foi a jogo por duas vezes nesse campeonato do mundo, primeiro por pouco mais de 10 minutos diante da França e dias depois no onze titular diante do Canadá, contra quem marcaria o seu segundo e último golo numa grande competição mundial. Oleg Vladimirovich voltaria a marcar ao serviço do combinado soviético mais uma vez ainda nesse ano, mas desta vez, já dentro de portas, num encontro de apuramento para o Euro 88 frente aos noruegueses.
O ano que se seguiu foi o “canto do cisne” do incomparável Oleg Vladimirovich. Depois de 211 golos apontados na Liga Soviética, o desencantado Oleg disse adeus ao Dynamo e recebeu da sua pátria o “visto” para representar um clube que estivesse para além da pesada cortina de ferro, que começava também ela a ondular com os ventos de mudança que chegavam dos vários quadrantes. O “velho” Oleg mudou-se para um modesto clube austríaco, que estava a anos-luz dos velhos gigantes capitalistas que um dia tentaram beliscar a dedicação do então jovem Oleg ao seu amado Dynamo. Ferido no seu orgulho e incapaz de se adaptar à realidade austríaca, o desalentado Oleg mudou-se para o Chipre, mas já era tarde para voltar à alta roda do futebol do velho continente. A 28 de junho de 1989, jogou-se em sua honra um encontro, no qual participou, entre uma seleção da URSS e uma outra composta de estrelas do futebol mundial. Nesse mesmo dia, no Palácio dos Desportos da sua cidade natal, Oleg Vladimirovich ouviu da voz da lendária Tamara Gverdtsiteli a canção “Виват, король!” (Longa vida ao rei!) e fechou ali de forma algo apoteótica uma carreira dedicada ao futebol do seu país.
“Não joguei tempo suficiente.” – Oleg Vladimirovich
Durante a sua carreira como futebolista, Oleg Vladimirovich serviu um papel de “herói” do mundo soviético, quando no fundo reunia em si alguns pressupostos que poderiam fazer dele um “anti-herói”. Oleg Vladimirovich é Oleg Blokhin, o jogador brilhante que um dia venceu com todo mérito uma Bola de Ouro, que foi cobiçado pelo ocidente capitalista e aquele cujo uma carreira brilhante fora do mundo soviético ficou por cumprir. Por outro lado, Oleg Vladimirovich é também o Oleg Blokhin que mais tarde se tornaria num treinador irascível, altivo, com quem era difícil dialogar e que se endeusava diante dos seus jogadores, sugerindo que estes nunca atingiriam o seu nível de mestria. Oleg Vladimirovich é, talvez por isso, o “anti-herói” do mundo que substituiu o mundo soviético, não um “anti-herói” como o Raskolnikov de Dostoevsky nem o Chichikov de Gogol, mas um personagem com virtudes e defeitos, cuja carreira parece ter ficado por cumprir e, apesar de não representar esses homens falhados retratados na literatura russa do século XIX, deixou que essa espécie de ego algo exagerado que sempre o acompanhou se transformasse numa espécie de mágoa por não ter podido jogar mais tempo e, porventura, numa realidade bem diferente.