Uma vida presa por um fio
A 26 de junho de 2006, a seleção ucraniana despachava a Suíça do Mundial de Futebol num jogo que muitos consideraram entediante e com praticamente nenhum motivo de interessante. O encontro ganhou, contudo, algum interesse aquando da realização do desempate por grandes penalidades, onde os suíços não foram capazes de converter uma única, onde o enorme Andrey Shevchenko não foi capaz de desfeitear Pascal Zuberbühler e onde um promissor jovem de apenas 21 anos chamado Artem Milevsky resolveu, com o marcador ainda a zero, apontar, com sucesso, a sua grande penalidade “à Panenka”, abrindo assim a porta à vitória dos ucranianos.
Artem Milevsky foi sempre um “herói” à sua maneira. Rebelde, intempestivo, talentoso e preguiçoso são talvez os adjetivos que melhor descrevem um jogador que, apesar de ter sido considerado um dos mais talentosos da sua geração, nunca foi capaz de concretizar todo esse talento que tinha dentro de si. Após uma carreira longa marcada por mais momentos baixos do que altos, Milevsky saiu do mundo do futebol pela porta pequena após uma curta estadia no modesto FC Minaj da Ucrânia. A sua passagem pelo Dynamo Kiev foi, eventualmente, o ponto alto de uma carreira que já vinha em queda livre desde 2013. Foi treinado, ainda jovem, pelo lendário Pavel Yakovenko e esteve às ordens do eterno Oleg Blokhin, com quem teve alguns conflitos, na equipa principal do Dynamo Kiev. Foi, na verdade, o antigo Bola de Ouro, que enviou Milevsky para treinar com a segunda equipa do Dynamo, alegando que os seus níveis físicos estavam longe daquilo que pretendia num jogador profissional.
Artem Milevsky nasceu em Minsk em 1985 ainda durante o período soviético e representou o combinado bielorrusso a nível internacional até aos Sub-16. Na verdade, Milevsky esteve muito perto de causar um incidente político entre bielorrussos e ucranianos quando antes de se mudar para Kiev ter afirmado que queria representar a seleção da Ucrânia. A Federação da Bielorrússia não queria, contudo, abrir mão de um dos seus atletas mais promissores e levou o caso até à FIFA. Depois de intensas negociações entre as duas federações e a mediação do então presidente da RFU, Vyacheslav Koloskov, a situação ficou resolvida e o jovem Artem passou a representar a Ucrânia.
Depois de 2014, a carreira de Milevsky só por breves momentos voltou ao caminho do sucesso. Foi, curiosamente, no seu país natal, a Bielorrússia, que em 2017, Artem Milevsky recuperou a paixão pelo futebol e ajudou o Dynamo Brest a sagrar-se campeão do país. O atual treinador do Dynamo Moscovo, Marcel Licka, era por essa altura o homem do leme do Dynamo Brest e via em Milevsky um jogador fundamental para o sucesso da equipa. Licka confessou recentemente que o segredo estava em saber motivá-lo e que, durante o período em que foi seu jogador, nunca teve um único conflito com ele.
Fora do futebol, a vida de Milevsky fica marcada pelos excessos - os mesmos que, no final do passado mês de setembro, o levaram a uma cama de hospital de onde ainda não voltou a sair. O antigo internacional ucraniano foi hospitalizado devido a problemas graves com o consumo de álcool, tão graves que colocaram a sua vida em risco. Segundo relatos de amigos próximos, nos últimos oito meses a situação degradou-se a tal ponto que Milevsky não passava um único dia sem ficar completamente embriagado. O outrora craque da seleção ucraniana terá engordado 30 quilos desde que deixou de jogar futebol em 2021 e está agora “agarrado” a uma cama de hospital a lutar pela vida.
Hoje, quase a terminar 2023, aquela grande penalidade quase épica no RheinEnergieStadion em Köln já está quase perdida no baú poeirento da história e ver alguém com apenas 38 anos “agarrado” a uma cama de hospital e ainda a correr perigo de vida, dá-me vontade de citar Eça de Queirós e, de alguma forma, temer pelo “fim” que está reservado a cada um de nós:
“- Falhámos a vida, menino!
- Creio que sim.... Mas todo o mundo mais ou menos a falha. Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação.”